terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O problema dos cálculos com números



Com este texto pretendo sustentar a tese do professor Rolando Almeida no âmbito deste tema “Desventuras do ensino no século XXI”, com exemplos da dificuldade dos alunos em trabalharem com números na disciplina de Físico-Química, tendo em conta as seguintes ideias:

“1- A criança só aprende aquilo que é do seu desejo aprender.

2 - É a criança que deve decidir sobre o que deseja aprender.

Logo, toda a aprendizagem deve ser centrada na criança e no seu desejo.”

Rolando Almeida

À semelhança do que defende o professor, reforço o seguinte: estas ideias erradas contribuem para o baixo desempenho dos alunos, em particular nas ciências físicas.

A Física-Química e a Matemática têm uma função estruturante na formação dos nossos alunos. Por força do objecto em estudo, a Física-Química estabelece uma ligação entre o mundo abstracto dos modelos matemáticos e o mundo real [1]. A resolução de problemas exige técnicos com capacidade de trabalhar com números aliada ao conhecimento dos conceitos Físico-químicos. A dificuldade em trabalhar com números constitui um problema no ensino.

É sabida a dificuldade e a desmotivação dos alunos na disciplina de Física e Química. Atribuem como principais razões “ a natureza difícil das matérias, a dependência destas ciências em relação à matemática e as dificuldades de aplicar os conhecimentos na resolução de problemas.” [2]. Por outro lado, por falta de tempo, os professores não dão o devido tempo ao cálculo com unidades.

Todos os anos são realizados Exames Nacionais do Ensino Secundário - Físico-Química A. Segundo o Ministério da Educação «estes são instrumentos de avaliação sumativa externa no Ensino Secundário. Nos últimos cinco anos, as classificações médias do Exame Nacional à disciplina de Físico e Química A têm sido insuficientes, como podemos ver pela tabela 1, a média destes anos é de (82 ± 4) pontos, numa escala de 0 a 200 pontos [3].

Ano

2006

2007

2008

2009

2010

Nº de provas realizadas

19963

28209

31760

36601

34157

Classificação média Nacional

74

72

93

84

86

Tabela 1 – Evolução da classificação à disciplina de Física e Química A no exame Nacional. Escala de 0 a 200 pontos.

Embora não haja um conhecimento profundo das causas inerentes a este insucesso, quem contacta com os alunos conhece as suas dificuldades, em particular:

  • não dominam o cálculo algébrico;
  • aplicam a “regra de três” indiscriminadamente;
  • realizam cálculos sem unidades nas etapas intermédias;
  • não sabem converter unidades;
  • apresentam os resultados finais sem unidades;
  • não utilizam os prefixos na conversão de unidades;
  • não sabem utilizar a representação científica de um número;
  • têm a ideia errada de que é preciso saber muitas fórmulas de cor.

Será fácil resolver estas dificuldades?

Aparentemente esta questão seria fácil de resolver. Bastaria disponibilizar professores para apoiar os alunos com baixo desempenho a esta disciplina. Foi o que aconteceu na maioria das escolas da Região Autónoma da Madeira. Em 2006, a Direcção Regional de Educação (DRE) reforçou o número de professores de Física e Química para apoiar os alunos com desempenho insuficiente, assim como preparação para os Exames Nacionais.

A experiência ensina-nos que a implementação de sessões de dúvidas em regime de frequência voluntária não resolve o problema dos alunos com dificuldade no cálculo. Só os melhores e com menos dificuldades frequentam-nas, com algumas excepções. Quando fui professor noutras escolas e contactei com esta realidade fiquei chocado. Depois verifiquei outra contradição. Além de alguns alunos recusarem a sua frequência, alguns pais também não concordaram com este apoio. Como é sabido, sem o apoio dos pais não há sucesso educativo.

A ideia de que não se deve contrariar os alunos com o treino com contas “porque ele não gosta e está casado”; ou que os “professores não sabem motivar “ ou as “questões são descontextualizadas” (questões abstractas) vai passando para a sociedade e toma formas sofisticadas. Estas são embrionárias nos tópicos apresentados (1 e 2) professor Rolando Almeida (Quinta-feira, 4 de Novembro de 2010). Por outro lado, existe uma ideia errada no ensino de que “a motivação é a base de todo o estudo e de toda a escola; o ensino falha quando falha a motivação” [4].

Sem a vontade e o querer dos alunos e sem o apoio dos pais, qual o papel dos professores?

Jorge Gouveia

Professor do grupo 510, Físico e Química

Referências bibliográficas

[1] Mikhail Benilov, “Para quê estudar Física?” Revista do Diário de Notícias da Madeira, 24 a 30 Junho de 2007.

[2] Anabela Martins e Décio Martins. (2003), Livro Branco da Física e da Química – Opiniões dos Estudantes –, Gazeta da Física, Vol. 28, Fasc. 3, Julho 2005.

[3] GAVE, Gabinete de Avaliação Educacional, Ministério da Educação http://www.gave.min-edu.pt/, 12 de Julho 2010.

[4] Nuno Crato, ett. All., O valor de educar, o valor de instruir, Questões-Chave da Educação, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Outubro de 2010.

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo plenamente com a reflexão feita pelo colega e com as questões levantadas. Também não tenho respostas para as mesmas, mas pressinto que só resolveremos parte do problema, quando o "sistema" decidir que o papel do professor é ensinar e o do aluno é aprender.