Com este texto pretendo sustentar a tese do professor Rolando Almeida no âmbito deste tema “Desventuras do ensino no século XXI”, com exemplos da dificuldade dos alunos em trabalharem com números na disciplina de Físico-Química, tendo em conta as seguintes ideias:
“1- A criança só aprende aquilo que é do seu desejo aprender.
2 - É a criança que deve decidir sobre o que deseja aprender.
Logo, toda a aprendizagem deve ser centrada na criança e no seu desejo.”
Rolando Almeida
À semelhança do que defende o professor, reforço o seguinte: estas ideias erradas contribuem para o baixo desempenho dos alunos, em particular nas ciências físicas.
A Física-Química e a Matemática têm uma função estruturante na formação dos nossos alunos. Por força do objecto em estudo, a Física-Química estabelece uma ligação entre o mundo abstracto dos modelos matemáticos e o mundo real [1]. A resolução de problemas exige técnicos com capacidade de trabalhar com números aliada ao conhecimento dos conceitos Físico-químicos. A dificuldade em trabalhar com números constitui um problema no ensino.
É sabida a dificuldade e a desmotivação dos alunos na disciplina de Física e Química. Atribuem como principais razões “ a natureza difícil das matérias, a dependência destas ciências em relação à matemática e as dificuldades de aplicar os conhecimentos na resolução de problemas.” [2]. Por outro lado, por falta de tempo, os professores não dão o devido tempo ao cálculo com unidades.
Todos os anos são realizados Exames Nacionais do Ensino Secundário - Físico-Química A. Segundo o Ministério da Educação «estes são instrumentos de avaliação sumativa externa no Ensino Secundário. Nos últimos cinco anos, as classificações médias do Exame Nacional à disciplina de Físico e Química A têm sido insuficientes, como podemos ver pela tabela 1, a média destes anos é de (82 ± 4) pontos, numa escala de 0 a 200 pontos [3].
Ano | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 |
Nº de provas realizadas | 19963 | 28209 | 31760 | 36601 | 34157 |
Classificação média Nacional | 74 | 72 | 93 | 84 | 86 |
Tabela 1 – Evolução da classificação à disciplina de Física e Química A no exame Nacional. Escala de 0 a 200 pontos.
Embora não haja um conhecimento profundo das causas inerentes a este insucesso, quem contacta com os alunos conhece as suas dificuldades, em particular:
- não dominam o cálculo algébrico;
- aplicam a “regra de três” indiscriminadamente;
- realizam cálculos sem unidades nas etapas intermédias;
- não sabem converter unidades;
- apresentam os resultados finais sem unidades;
- não utilizam os prefixos na conversão de unidades;
- não sabem utilizar a representação científica de um número;
- têm a ideia errada de que é preciso saber muitas fórmulas de cor.
Será fácil resolver estas dificuldades?
Aparentemente esta questão seria fácil de resolver. Bastaria disponibilizar professores para apoiar os alunos com baixo desempenho a esta disciplina. Foi o que aconteceu na maioria das escolas da Região Autónoma da Madeira. Em 2006, a Direcção Regional de Educação (DRE) reforçou o número de professores de Física e Química para apoiar os alunos com desempenho insuficiente, assim como preparação para os Exames Nacionais.
A experiência ensina-nos que a implementação de sessões de dúvidas em regime de frequência voluntária não resolve o problema dos alunos com dificuldade no cálculo. Só os melhores e com menos dificuldades frequentam-nas, com algumas excepções. Quando fui professor noutras escolas e contactei com esta realidade fiquei chocado. Depois verifiquei outra contradição. Além de alguns alunos recusarem a sua frequência, alguns pais também não concordaram com este apoio. Como é sabido, sem o apoio dos pais não há sucesso educativo.
A ideia de que não se deve contrariar os alunos com o treino com contas “porque ele não gosta e está casado”; ou que os “professores não sabem motivar “ ou as “questões são descontextualizadas” (questões abstractas) vai passando para a sociedade e toma formas sofisticadas. Estas são embrionárias nos tópicos apresentados (1 e 2) professor Rolando Almeida (Quinta-feira, 4 de Novembro de 2010). Por outro lado, existe uma ideia errada no ensino de que “a motivação é a base de todo o estudo e de toda a escola; o ensino falha quando falha a motivação” [4].
Sem a vontade e o querer dos alunos e sem o apoio dos pais, qual o papel dos professores?
Jorge Gouveia
Professor do grupo 510, Físico e Química
Referências bibliográficas
[1] Mikhail Benilov, “Para quê estudar Física?” Revista do Diário de Notícias da Madeira, 24 a 30 Junho de 2007.
[2] Anabela Martins e Décio Martins. (2003), Livro Branco da Física e da Química – Opiniões dos Estudantes –, Gazeta da Física, Vol. 28, Fasc. 3, Julho 2005.
[3] GAVE, Gabinete de Avaliação Educacional, Ministério da Educação http://www.gave.min-edu.pt/, 12 de Julho 2010.
[4] Nuno Crato, ett. All., O valor de educar, o valor de instruir, Questões-Chave da Educação, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Outubro de 2010.
1 comentário:
Concordo plenamente com a reflexão feita pelo colega e com as questões levantadas. Também não tenho respostas para as mesmas, mas pressinto que só resolveremos parte do problema, quando o "sistema" decidir que o papel do professor é ensinar e o do aluno é aprender.
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