quinta-feira, 21 de maio de 2009

Das "estrelas invisíveis" aos Buracos Negros

Num artigo enviado em 1783 para a Philosophical Transactions da Royal Society de Londres o reverendo e geólogo britânico John Michell argumentou que corpos com um raio 500 vezes superior ao do Sol e com uma densidade igual ou superior à deste não deixariam, em virtude da sua atracção gravitacional, os seus próprios raios de luz escaparem sendo assim invisíveis aos nossos sentidos.

Michell estava a pensar em termos de velocidade de escape. A velocidade de escape da Terra, por exemplo, define-se como sendo a velocidade que devemos dar a um corpo inicialmente sobre a superfície da Terra para que este consiga escapar à atracção gravítica da Terra ficando em repouso no infinito (na prática será deixar o corpo em repouso num ponto longe da atração gravítica da Terra). No caso da Terra a velocidade de escape é de aproximadamente 11 km/s. Podemos aplicar o conceito de velocidade de escape a qualquer outro planeta ou estrela. De uma forma geral podemos dizer que a velocidade de escape será tanto maior quanto maior for a massa do corpo (planeta, estrela,...) e tanto maior quanto menor for o respectivo raio. Embora no caso da Terra o seu valor seja de apenas 11 km/s, numa estrela de neutrões pode atingir os 150 000 km/s, ou seja, metade da velocidade da luz. Jogando com os valores do raio e da massa podemos imaginar (como Michell) uma estrela cuja velocidade de escape seja superior à da luz. Essa estrela, a existir, não seria visível por um observador distante.



A velocidade de escape de um corpo com massa M e raio R (G é a Constante de Gravitação Universal). A expressão é obtida a partir do Princípio da Conservação da Energia mecânica (c) GAUMa 2004.
Esta foi uma espectacular previsão de uma das propriedades dos buracos negros: aprisionar a luz e ser invisível. Todavia estas estrelas escuras não correspondem exactamente à definição actual de buraco negro. Um corpo capaz de aprisionar a sua própria luz não pode ser descrito recorrendo apenas à teoria da gravitação de Newton. Em 1915 Albert Einstein apresentou uma nova teoria, actualmente designada por Teoria da Relatividade Geral (TRG), aplicável nessas situações.


Numa fase inicial a TRG era olhada com muitas reservas por grande parte dos cientistas. No entanto, com o passar dos anos, foram surgindo algumas provas experimentais favoráveis à TRG (todas elas referentes a fenómenos que não podiam ser explicados ou previstos baseando-se apenas na teoria Newtoniana). Um eclipse total do Sol (1919) permitiu confirmar que o Sol desvia os raios de luz provenientes de estrelas distantes e que, além disso, o ângulo de desvio estava de acordo com o previsto pela TRG. O avanço do periélio do planeta Mercúrio é outra prova experimental da TRG. A descoberta de imagens múltiplas de um quasar (1980) veio validar a previsão da existência de lentes gravitacionais avançada por Einstein. O avanço do periélio da órbita do planeta Mercúrio (ponto de maior proximidade em relação ao Sol aqui representado pelos pontos P1, P2 e P3) só pode ser correctamente explicado com base na Teoria da Relatividade Geral


Pouco tempo decorrido após a publicação da TRG, Karl Schwarzschild chegou, baseando-se na mesma, à solução para o campo gravítico em torno de uma massa esférica. Este resultado permitia descrever o campo em torno de estrelas como o Sol ou ainda em torno de estrelas mais compactas como as anãs brancas e estrelas de neutrões em relação às quais os efeitos relativistas (distorção do espaço e do tempo) são mais relevantes. O que não ficou imediatamente evidente é que essa solução comportava também a descrição de um objecto bem mais exótico: o buraco negro.
Os buracos negros são, assim, objectos previstos pela TRG. No entanto, eram objectos de tal forma fora do comum que, na falta de qualquer evidência observacional da sua existência, o seu estudo não foi muito motivador ao longo de muitos anos. Apenas a descoberta de outros objectos exóticos como os quasares (1963) e as estrelas de neutrões (1967) veio reavivar o entusiasmo e o interesse pelo estudo dos buracos negros. Desde então têm sido identificados vários candidatos a buraco negro. Em termos de massa, estes vão desde os buracos negros estelares (1 a 100 massas solares), espalhados pela nossa galáxia, até aos super buracos negros (1 a 1000 milhões de massas solares) presentes nos núcleos de algumas galáxias incluindo a nossa.


Concepção artistíca de um sistema estelar binário composto por uma estrela gigante azul (canto inferior esquerdo) e um buraco negro (no centro do disco embora não seja representável nesta escala). Dada a proximidade dos dois corpos o buraco negro acaba atraindo as camadas mais externas da sua companheira formando-se, em torno deste, um disco de agregação de matéria. A matéria presente no disco vai rodando ao mesmo tempo que vai caindo em direcção ao buraco negro. Da forte fricção entre camadas adjacentes de matéria resulta a emissão de raios-X. A observação desta radiação é um dos processos que revela (ainda que de forma indirecta) a presença do buraco negro (http://apod.nasa.gov/apod/ap951226.html).

Não se conhecem no Universo actual quaisquer mecanismos capazes de produzir buracos negros com massas inferiores à massa do Sol. No entanto, nos primeiros instantes do Universo, quando este era bem mais denso e mais quente, podem ter estado reunidas as condições para que tais buracos negros se tenham formado. Podem, assim, ter-se formado buracos negros com massas a partir de 0.00001 g (chamada massa de Planck). Esses dizem-se buracos negros primordiais. A descoberta da sua existência (ou inexistência) pode dar-nos grandes informaçãoes sobre os instantes iniciais do nosso Universo.

No plano teórico conseguiram-se nas últimas décadas grandes desenvolvimentos sobre as propriedades dos buracos negros e sobre a interacção dos mesmos com o meio envolvente. Um dos resultados teóricos mais fascinantes aponta para a emissão de radiação por buracos negros. Esta radiação, designada por radiação de Hawking, inclui ondas electromagnéticas, ondas gravitacionais e, no caso de buracos negros de menor massa, partículas com massa. A emissão de radiação de Hawking leva à evaporação do buraco negro. Na fase final da evaporação são emitidas grandes quantidades de raios gama num curto intervalo de tempo assistindo-se, assim, à explosão do buraco negro.


Nota: Se tem questões sobre astronomia, pode enviar um e-mail com a sua questão para astro@uma.pt (todas as questões serão respondidas).

Departamento de Matemática e Engenharias
Grupo de Astronomia
Universidade da Madeira

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