sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Testemunhos do Liceu: Ramiro Morna do Nascimento


Espaço multicultural mas, sobretudo, testemunha do processo de socialização e de vida, a Escola assume um papel incontornável na vida de todos nós. Revivemo-lo nas conversas do quotidiano, actualizando episódios pitorescos, eternizando espaços, personagens e modos de aprender e ensinar…É da escola que temos cada vez mais saudade, passado o tempo do estudo e da alegre camaradagem, o que nos faz sentir, como o poeta, “raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”O Liceu orgulha-se de ser esse espaço extraordinário de vivências e emoções de milhares de estudantes madeirenses. Quem são? Que recordam?

Nome: Coronel Ramiro Morna do Nascimento
Idade: 75 Anos
Profissão: Militar Reformado, actualmente Voluntário na Cruz Vermelha
Área de formação: Curso de Infantaria da Escola do Exército

O Lyceu – Diz-se Liceu, vem a saudade. Que importância teve o Liceu na sua vida?

Ramiro Morna – Foi ali que eu me formei. Entrei lá de calça curta e saí de lá com barba. Isto entre Outubro de 1942 e Julho de 1950.Tive a sorte de ali encontrar bons amigos, que comigo estrearam o recém-construído edifício novo do Liceu. Nesse ano, ainda só estavam construídos os prédios, nem havia instalações desportivas. Chegámos inclusive a assistir à última fase de construção do Liceu. Nesta altura, havia dez turmas, três de 1º Ano e uma de cada um dos anos seguintes, e todos se conheciam, desde o 1º ao 7º Anos. Não havia guerras.Era proibido fumar e até hoje não fumo. No Liceu, só entravam os alunos da Escola. Os professores e as raparigas entravam pela porta poente, hoje a porta principal, e os rapazes pela Rua Bela de São Tiago. As instalações eram novas; o material também e o Reitor fazia vistorias a ver se as salas e as mesas se mantinham imaculadas e cada risco dos alunos era pago por eles, pois os lugares eram marcados. Quando o professor entrava, todos se levantavam. Havia muito respeito, sem desleixar a irreverência própria da juventude. No meu tempo de liceu, não ouvia as obscenidades que hoje oiço na Rua das Mercês. Havia ordem, sem repressão. Os professores eram tratados por Sr. Dr. e Sra. Dra. e usavam bata. O Sr. Reitor estava num pedestal e quem fosse chamado ao seu gabinete era por más razões. Contudo, reprovo o distanciamento entre este e os alunos. Não nos deixavam utilizar o ginásio nem jogar à bola no campo, alegando que fazia mal à saúde.

O Lyceu – O que mais o marcou durante os anos de frequência do Liceu?

Ramiro Morna – Quando eu estudei no Liceu, como já tinha referido, o novo edifício ainda estava em construção, portanto, houve uma altura em que, onde hoje é o pátio interior, para fazerem as crateras em que colocaram as árvores, os pedreiros gritavam fogo e ouvia-se um estrondo.Recordo-me ainda de professores que me marcaram. O Dr. André Cymbron, por exemplo, era o que tinha a melhor relação com os seus alunos. Até jogava à bola connosco. Mais tarde, foi reitor da Escola.Num desses jogos, o Dr. Cymbron mandou marcar um penalti e o Dr. Faria Nunes, que, na altura, era meu colega, como não concordava, tirou a bola e atravessou a escola, até à Reitoria, com ela nas mãos e o Dr. Cymbron a correr atrás dele. Por vezes, o Dr. Lufinha, que era professor de Português e Latim, também jogava à bola connosco.Não havia autorização para jogarmos futebol no campo. Era inclusive necessário pedir ao Dr. Vasco Machado para utilizá-lo. O mais engraçado é que ele passava uma licença para vólei e o Sr. Vigilante, o “Barrinhas”, não sabia ler bem, portanto, acabávamos por jogar futebol.

O Lyceu – Como vê a Educação hoje?

Ramiro Morna – Actualmente, há muito facilitismo e este conduz à preguiça, que, por sua vez, conduz à incompetência. No meu tempo de estudante, havia muito rigor nas faltas. Chumbava-se por faltas.Curiosamente, hoje, vejo o muito bom e o mau. Vejo o muito bom e faço vénias aos bons professores.O mau, em parte, deve-se àqueles professores que só têm o soldo que recebem.É ver a vergonha que é o número de faltas e baixas dos professores.Há dois ou três anos, vi nos nossos jornais o título «Professores do Porto Santo são os que mais faltam». No final do ano lectivo, no mesmo jornal, lia-se «Alunos do Porto Santo foram ao exame com média de 13,6 valores e os resultados foram uma média de 6». Ora, então, pergunto-me: a culpa será dos alunos? Não me parece.Fui ao Porto Santo, há dois anos, e, a um de Maio, quarenta professores estavam de baixa. Pergunto se as amêndoas da Páscoa lhes terão feito tanto mal.Será culpa dos médicos, que não os souberam curar ou das leis caducas que regulam o Ensino?Ao proferir estas palavras desagradáveis, curvo-me perante os Bons professores e, ao mesmo tempo, censuro os que não quiserem afinar pelo mesmo diapasão.

O Lyceu – Na sua opinião, de que modo as novas tecnologias são uma mais valiapara a aprendizagem do aluno?

Ramiro Morna – «Pelo pouco que sei, entendo que as novas tecnologias são e serão uma mais-valia para a aprendizagem dos alunos e espero que os docentes e os outros responsáveis, nomeadamente os pais e os próprios alunos, saibam tirar o melhor e o mais sadio proveito dessas invenções do Homem.»

Micaela Martins - Grupo 300

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