quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desventuras do ensino no século XXI

Neste meu curto ensaio vou procurar expor e refutar alguns aspectos de um argumento que tem sido central no sistema educativo português, o de que o ensino deve ser centrado no aluno. Em alternativa, vou defender que o ensino deve ser centrado nos conteúdos e que essa é a forma de tornar uma sociedade mais igual, com igual acesso ao conhecimento.
Para mim é preliminar assentir que o problema do ensino é demasiado complexo para ser abordado numa página só. Trata-se de um problema multifactorial e para o qual concorrem muitas áreas do saber. Neste texto, abordo somente um aspecto do ensino e de uma política educativa em especial. E a intenção da minha abordagem é contrariar o discurso mais comum e suscitar a discussão racional de ideias, já que é daí que se constrói todo o saber e cultura. Com efeito, não serei inovador na minha argumentação, razão pela qual apresento no final uma pequena bibliografia a explorar.
O argumento comum da aprendizagem centrada no aluno pode, então, ser formalizado da seguinte maneira:
A criança só aprende aquilo que é do seu desejo aprender.
É a criança que deve decidir sobre o que deseja aprender.
Logo, toda a aprendizagem deve ser centrada na criança e no seu desejo.
Convém referir que este argumento corresponde a directrizes curriculares, constando em muitos dos programas de ensino. Por essa razão, talvez, observamos que programas curriculares têm sido consecutivamente esvaziados de conteúdos. Estou a lembrar-me em concreto do programa de Filosofia do ensino secundário no qual não é mencionado qualquer conteúdo, centrando todo o seu desenvolvimento em temas / problemas e canalizado essencialmente para o desenvolvimento de competências. Mais adiante vou tentar explicar que o ensino centrado no aluno também é resultado do ensino centrado em competências e que a divisão entre competências e conteúdos, como se uma pudesse existir sem os outros, é artificiosa.
Numa tentativa de refutar o argumento exposto acima, começo por defender que a primeira premissa é discutível e pouco plausível e a segunda premissa parece-me completamente falsa. A primeira premissa parece-me muito discutível por uma razão especial, é que a criança, ou o jovem estudante, não possui ainda maturidade suficiente para aprender conteúdos mais sofisticados. Claro que não podemos apresentar ao estudante ainda muito jovem a sofisticação completa de uma ciência como a física, mas o nosso objectivo será que um dia ele possa lá chegar. Resulta daí que comecemos pela base e que sejamos nós, professores e o sistema de ensino em geral quem alimenta o desejo ao estudante apresentando-lhe conteúdos cada vez mais complexos.
A segunda premissa parece-me falsa por uma razão especial, é que a criança, ou o jovem estudante não possui ainda maturidade nem conhecimentos suficientes para ser o centro decisor do que vai aprender. Uma criança não pode desejar o que pura e simplesmente desconhece.
São estas as razões principais que me fazem pensar que a tese da aprendizagem centrada no aluno, tomada à letra, e fortemente inspirada nas teses do romantismo e construtivismo educativo não funcionam e, por isso, é necessária uma mudança.
Como mudar?
Mudamos de perspectiva de ensino se centrarmos a aprendizagem dos nossos estudantes nos conteúdos. Qualquer ser humano deve ter acesso ao conhecimento desenvolvendo capacidades individuais básicas para melhor poder viver no mundo moderno. E deve ter este acesso independentemente da modalidade de ensino que frequenta e das decisões que quer tomar para a sua vida futura. As ferramentas para compreender o mundo não são umas para uns estudantes socialmente favorecidos e outras para estudantes socialmente desfavorecidos. Por outro lado, a separação entre competências e conteúdos é artificiosa, pois é o estudo paciente, aturado e rigoroso dos conteúdos básicos e centrais de cada disciplina que desenvolve competências nos seres humanos e é errado pensar que se pode desenvolver competências sem os conteúdos de cada disciplina nuclear.
Espero, desde modo breve, ter dado algum contributo para uma discussão activa, aberta e aturada sobre o que queremos do ensino nas próximas gerações.

Rolando Almeida
Professor do grupo 410, Filosofia e Assistente Editorial da Revista de Filosofia, Crítica www.criticanarede.com

Referências bibliográficas
Crato, Nuno (2006) O Eduquês em Discurso Directo: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista. Lisboa: Gradiva.

Murcho, Desidério, Para que serve o ensino, Crítica,
http://criticanarede.com/html/ens_valor.html

Grilo, Eduardo Marçal, Se não estudas estás tramado, Lisboa: Tinta da China

Almeida, Rolando, Por que não conhecemos a dimensão do universo, De Rerum Natura,
http://dererummundi.blogspot.com/2008/02/por-que-no-conhecemos-dimenso-do.html

Vieira, Maria do Carmo, O ensino do Português, Lisboa, Relógio D`Água, Fundação Francisco Manuel dos Santos

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