sexta-feira, 20 de março de 2009

Algumas considerações em torno da Família



Segundo Donald Meltzer (1988), «uma família serve para gerar amor, promover a esperança e conter a tristeza. E crescer é compreender que a melhor maneira de transformar o mundo é transformarmo-nos a nós próprios».
Esta formulação ainda que reducionista, é muito sugestiva porque foca aspectos essenciais no que concerne ao desenvolvimento psíquico, nomeadamente à associação entre o crescimento psicológico e a compreensão de que qualquer mudança pretendida nos outros é indissociável duma mudança interna. Remetendo ainda, para a importância de no contexto familiar termos a possibilidade de experimentar e aprender a gerir de forma saudável os diversos tipos de afectos e sentimentos.
Para a nossa compreensão da dinâmica das transacções familiares foram decisivos os contributos trazidos à Psicologia pela Teoria Geral dos Sistemas (L.V. Bertallanfy) e pela Teoria Eco - Sistémica da Comunicação (G. Bateson e investigadores de Palo Alto).
Neste sentido, autores como Salvador Minuchin, Maurício Andolfi, Mara Palazzoli entre outros, foram decisivos para que a família passasse a ser perspectivada de uma forma sistémica, e a clarificar a forma como se estabelecem os processos que contribuem ou não para um desenvolvimento normativo do ponto de vista psicológico.
Sendo a família o núcleo de referência afectivo - comunicacional por excelência, é considerada como uma rede complexa de relações e emoções na qual se passam sentimentos e comportamentos que não são passíveis de ser pensados com os instrumentos criados para o estudo dos indivíduos isolados.
Cada família é um todo, com características próprias (diferentes das dos subsistemas/partes), e cada elemento/subsistema individual desempenha múltiplos papéis. Exemplo: Um elemento que é pai (sub – sistema parental), é também filho (sub – sistema filial) e eventualmente irmão (sub – sistema fraternal), marido (sub – sistema conjugal), etc.
Há uma mudança de paradigma: passa-se da causalidade linear à causalidade circular, ou seja, numa situação em que o sistema familiar está ter dificuldades, o sintoma não é perspectivado como consequência (efeito) de algo (causa) que terá ocorrido no passado, mas como decorrente de algo que está a funcionar mal no «aqui e agora», ou seja, no presente da comunicação familiar.
Não se pretende com isto negar a interioridade de cada ser humano, mas sim realçar que mesmo as características individuais surgem e desenvolvem-se na e pela relação com os outros.
São também analisadas as interacções comunicativas que se processa com o contexto (escolar, social, etc.) em que a família está inserida.
O objectivo das intervenções sistémicas realizadas no contexto de terapia familiar, será ajudar a família a encontrar padrões de comunicação mais funcionais.
Houve uma mudança enorme no conceito de família, antigamente a maioria dos casamentos terminava com a morte de um dos cônjuges, actualmente grande parte das uniões acaba em separação, sendo muito usual, as famílias reconstruídas, as mono - parentais, etc.
Num sentido mais alargado, que ultrapassa o de família biológica cujas relações são de consanguinidade, pode considerar-se como família, o conjunto de pessoas que se encontram ligadas por laços afectivos, ou seja, que estabeleceram e mantêm entre si relações significativas, quer sejam sentidas, grosso modo, como positivas ou como negativas.
Consideramos importante referir as fases mais marcantes do ciclo de vida de uma família, salvaguardando as devidas adaptações às novas formas existentes:
-Casal sem filhos, caracteriza-se pela vida em comum (constituição do subsistema conjugal),
-Família com filhos pequenos (até a idade pré-escolar, 3 anos), caracteriza-se pelo nascimento e adaptação inerente a novas funções (constituição dos subsistemas parental e filial e se houver mais do que um filho, do subsistema fraternal);
-Família com filhos em idade pré-escolar (até 6 anos),
-Família com filhos em idade escolar (até adolescência, cerca dos 13 anos),
-Família com adolescentes (aproximadamente dos 13 anos aos 20 anos),
-Família com adultos jovens (a sair de casa),
-Família na meia – idade (entre a saída do último filho e a reforma),
-Família idosa (da reforma à morte de um dos elementos do casal).
Quer as fases usuais/normativas quer as acidentais/não previstas implicam sempre mudança. É a forma como a família/as organizações reagem à mudança (estas implicam sempre a necessidade de encontrar novos equilíbrios) que nos permite avaliar da saúde/adequação dos sistemas.
O sistema familiar cumpre diversas funções, sendo as duas mais importantes:
-Fornecer um sentimento de continuidade, de pertença e protecção.
-Permitir a individualização, o crescimento e a realização pessoal dos seus membros.
As situações em que uma família pode estar a entrar num padrão comunicacional disfuncional são as seguintes:
-Quando há propensão em falar pelos outros, impossibilitando a expressão dos sentimentos próprios.
-Quando existe desqualificação das mensagens recebidas.
-Quando as comunicações são pouco claras ou ambíguas.
-Quando se verificam mensagens contraditórias (ex. double-bind).
-Quando se constata uma fraca individuação dos pais em relação aos próprios pais.
-Quando os filhos têm que ocupar-se sistematicamente dos problemas ou tarefas dos pais (Parentificação).
-Quando existe uma relação distante entre o casal.
-Quando a relação de um dos pais é mais próxima com um filho do que com o cônjuge ou outro/s adulto/s.
-Quando as fases do ciclo vital provocam crises que afectam toda a família.
-Quando as necessidades de autonomização, ou de segurança e protecção não são reconhecidas ou satisfeitas.
-Quando há rigidificação de regras de funcionamento, ou seja, quando existe a luta pela manutenção de um determinado estado de coisas a qualquer preço, independentemente das mudanças surgidas (Exemplo: na adolescência de um dos elementos).
Nas comunicações da parte dos mais velhos para com os mais novos ou em relação a estes é muito comum ouvirmos expressões do género: «Eu quero o melhor para ti», «Eu só quero o teu bem», e neste sentido, parece-me que existem questões essenciais a que temos que dar resposta como pais/educadores:
-Será possível desejar o melhor para os filhos sem desejar o melhor para si?
-Será que o melhor para os filhos será forçosamente o que é melhor para os pais?
-O que achamos melhor para os filhos será semelhante/diferente do que achamos para nós?
-Em que medida o que desejamos para os nossos filhos é semelhante/diferente do que os nossos pais desejaram para nós?
-Em que medida, os filhos/jovens não tem que reflectir/opinar/determinar sobre o que será melhor para o seu futuro, já que terão que ser eles a empenhar-se no presente para que seja possível concretizá-lo?
E nós, pais e educadores? Não deveríamos cultivar e sermos nós próprios, um modelo de procura permanente na nossa própria vida, da felicidade e da concretização de projectos significativos?
Termino citando R. Pausch (2008), «Na minha opinião, a função de um pai é encorajar os filhos a desenvolver uma alegria perante a vida e instigá-los a seguirem os seus próprios sonhos. O melhor que podemos fazer é ajudá-los a desenvolver um conjunto pessoal de ferramentas para essa tarefa».

Maria de Fátima Saldanha Vieira
(Psicóloga)


Nota: Este documento teve por base parte do material usado no suporte informático, elaborado para a palestra «Eu quero o melhor para o meu filho/a minha filha», realizada a 27 de Novembro de 2008 e dirigida aos Encarregados de Educação e Directores de Turma do 10ºano.
Alguma bibliografia consultada:
Andolfi, M. (1981), A Terapia Familiar, Lisboa, Ed. Veja Universidade.
Andolfi, M. (1983), Por detrás da máscara familiar, Porto Alegre, Editora Artes Médicas.
Bettelheim, Bruno (1987), Bons Pais. O sucesso na educação dos filhos, Lisboa, Bertrand Editora.
Ferry, Luc (2007), Famílias amo – vos, Lisboa, Círculo de Leitores/Temas e Debates.
Gameiro, J. (1994), Quem sai aos seus…, Porto, Editora Afrontamento.
Minuchin, S. (1980), Família: Funcionamento e Tratamento, Porto Alegre, Editora Artes Médicas
Pereira, Maria da Graça (2007), Psicologia da Saúde Familiar: aspectos teóricos e investigação, Lisboa, Climepsi Editores.
Sampaio, D.; Gameiro, J. (1985), A Terapia Familiar, Porto, Editora Afrontamento.
Sampaio, D. (2006), Lavrar o Mar. Um novo olhar sobre o relacionamento entre pais e filhos, Lisboa, Caminho.
Pausch, Randy (2008), A Última Aula, Lisboa, Editorial Presença.
Relvas, Ana Paula (2000), Por detrás do Espelho. Da Teoria à Terapia com a Família, Coimbra, Quarteto.
Watzlawick, P. et al. (1967), Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora Cultrix.
Skynner, R.; Cleese, J. (1983), Famílias…e como sobre (viver) com elas, Porto, Edições Afrontamento.

1 comentário:

Nuno Rodrigues disse...

Olá, o meu nome é Nuno Rodrigues, antigo aluno do meu querido e fantástico Liceu.

Venho por este meio felicitar a iniciativa deste blog, e espero que continuem o bom trabalho.

Antes de me despedir, gostaria de fazer uma questão: O que acontece aos chamados "livros de ponto" da cada turma que andou pelo liceu?É que no outro dia tava a pensar que se o estes estão guardados, de facto devem ser bons documentos para serem consultados pelos antigos alunos.

Cumprimentos liceuísticos! Nuno Rodrigues