quarta-feira, 2 de julho de 2008

Testemunhos do Liceu: Emanuel Jardim Fernandes


Espaço multicultural mas, sobretudo, testemunha do processo de socialização e de vida, a Escola assume um papel incontornável na vida de todos nós. Revivemo-lo nas conversas do quotidiano, actualizando episódios pitorescos, eternizando espaços, personagens e modos de aprender e ensinar…É da escola que temos cada vez mais saudade, passado o tempo do estudo e da alegre camaradagem, o que nos faz sentir, como o poeta, “raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”O Liceu orgulha-se de ser esse espaço extraordinário de vivências e emoções de milhares de estudantes madeirenses. Quem são? Que recordam?

Nome: Emanuel Jardim Fernandes
Idade: 64 anos
Profissão: Advogado e Deputado do Parlamento Europeu
Área de formação: Licenciatura em Direito

O Lyceu – Diz-se Liceu, vem a saudade. Que importância teve o Liceu na sua vida?

Emanuel Jardim Fernandes – O Liceu de Jaime Moniz foi foi um marco fundamental na minha vida e na minha formação. Recordo a satisfação da minha entrada no Liceu, em Outubro de 1954. Não no dia 1, como previra e desejava, mas no dia 15. A gripe asiática levara a que a abertura das aulas tivesse de ser adiada. Foi a minha primeira saída de casa. O ensino secundário só funcionava no Funchal. Penso hoje e fui formando essa ideia, já no Liceu, que a formação, no seu sentido amplo, resulta muito do que se recebeu e partilhou, na família, na escola, nos grupos de amigos, na vivência de situações concretas. A passagem pelo Liceu de Jaime Moniz foi muito rica e fundamental para a minha formação e para as fases seguintes, na universidade, no cumprimento do serviço militar e na minha vida profissional e política. Muitos dos amigos de Liceu, como alguns da instrução primária, no Seixal e, depois na universidade e na vida profissional e política, são os que ainda hoje guardo no meu coração e na minha memória. É no Liceu que faço a minha primeira saída da Madeira, às Canárias, numa viagem de finalistas. É no Liceu que sou sensibilizado para as questões sociais, no 4º ano, por participação em acções de apoio aos mais pobres, uma delas para resolver um problema de habitação, estimulado, como muitos amigos e muitos colegas, pelo Padre Mata, então professor de moral e dinamizador de movimentos de jovens estudantes e operários. Foi ainda no período de Liceu que conheci a Madeira no seu todo, nas suas belezas, mas também com suas dificuldades, já que tínhamos o hábito de, com frequência, dar passeios, em grande parte a pé, nas zonas povoadas da ilha, mas também nas serras da Madeira e Porto Santo.


O Lyceu – O que mais o marcou durante os anos de frequência do Liceu? (pessoas, espaços, ambientes, etc…)

Emanuel Jardim Fernandes – Os sete anos que passei no Liceu de Jaime Moniz são apenas um pouco menos de um décimo da minha vida, mas foram marcantes e, certamente, decisivos para o meu percurso e para a formação da minha personalidade. Os valores que procurei e ainda procuro seguir, o sentido de responsabilidade, a prática da tolerância, a disponibilidade para a solidariedade, o valor da amizade, a partilha, o respeito pelos outros, pela diferença, a procura de novos conhecimentos, o sentido que não somos nem sabemos tudo foram sendo consolidados nesse período que não pode ser esquecido. Pelo contrário, está vivo. É e será sempre motivo de recordação, saudade e gratificação. Era diferente a vida de um jovem do meu tempo e a de hoje. Nas disponibilidades, nos meios de transporte, na diversão, embora talvez com o mesmo espírito de vivência. Como esquecer a abertura de uma turma mista, no 4º e 5º ano de Liceu (1957-1958-1959), a única que juntava os excedentes das outras duas turmas, uma de rapazes e outra de raparigas, que funcionava numa sala de espera da Reitoria. Foi uma espécie de turma percursora do que veio, muito mais tarde, a ser prática normal, a participação sem distinção de sexos, na escola. Como esquecer as idas à neve, no Poiso e Pico do Arieiro, quando era possível lá chegar, que eram motivo de suspensão de aulas para gozarmos essa maravilha que uma terra temperada como a nossa só raras vezes propiciava. Não esqueço, ainda, momentos marcantes que acompanhei nesse tempo e que, contribuíram para o despertar da consciência politica, como o assalto do Santa-Maria, um verdadeiro terramoto na contestação ao regime ditatorial e a invasão pela Índia dos territórios portugueses de Goa, Damão e Índia, que suscitou a ordem de Salazar para resistir até ao último momento e originou, na Madeira (como noutros pontos do País), uma manifestação "espontaneamente" organizada a que os jovens foram "chamados" a participar. De tal forma que, quando em 1961 chego à faculdade participo na greve de estudantes, durante a crise académica de 61-62 e no movimento associativo estudantil.


O Lyceu – Como vê a Educação hoje?

Emanuel Jardim Fernandes – Falar do Liceu, dos nossos dias, e da educação em geral é falar de uma experiência diferente. São outros os meios, a conjuntura, o enquadramento dos alunos. A primeira e grande diferença no sector da Educação, quando observamos a prática actual e a da década de cinquenta, deriva do 25 de Abril, do fim da ditadura e da instauração da Democracia.
A democratização do ensino foi a primeira das consequências e o primeiro dos objectivos da Revolução dos Cravos.
Com a Democracia e com a constituição de 1976, vem a Autonomia que abre condições à descentralização do Ensino na Madeira. Alarga-se o número de escolas, no Funchal e nas zonas rurais. A população estudantil aumenta. O Liceu de Jaime Moniz continua, no entanto, a assumir a sua função, com responsabilidades acrescidas, mas não já com a predominância e exclusividade que tinha no meu tempo de Liceu. Estou certo de que continuará a assumir um papel de referência na formação da juventude madeirense, havendo motivo para preparar as suas Bodas de Diamante, em 2014.
A Educação está melhor, sobretudo, porque chega a mais jovens e prepara-os para saídas mais alargadas. A Educação e a formação, dos jovens e da população em geral continuam a ser o desafio mais estimulante e mais decisivo para o futuro desenvolvimento da nossa região, das nossas empresas, das cidadãs e dos cidadãos madeirenses em geral. A melhoria da qualificação deve ser a prioridade das prioridades para o futuro da Região Autónoma da Madeira, necessariamente integrada no País, na União Europeia e no Mundo.
A Educação exige uma permanente actualização. A avaliação do sucesso e eficácia do sistema educativo, a preparação e exercício das suas reformas, sempre que necessárias, como acontece hoje, exige a participação de todos os actores, alunos, famílias, professores, quadros envolvidos, mas, também, a ponderada e oportuna responsabilidade do Governo e das demais autoridades Pública, a todos os níveis, nacional, regional, local, mas também europeia.


O Lyceu – Na sua opinião, de que modo as novas tecnologias são uma mais-valia para a aprendizagem do aluno?

Emanuel Jardim Fernandes – Em meu entender, as novas tecnologias são fundamentais para o desenvolvimento da sociedade madeirense e da Região.
Os jovens têm de obter qualificação profissional e é responsabilidade das escolas, das universidades e dos demais parceiros sociais colaborarem para tal, utilizando, também, as novas tecnologias e promovendo a investigação e a inovação. É o que tenho defendido no Parlamento Europeu.
É evidente que este é um dos aspectos em que a Educação é diferente, mas tem de o ser, uma vez que a própria sociedade evolui, porque o Mundo também. Até porque as novas tecnologias trazem desenvolvimento.

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